quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Falhas


"Uma das coisas que fascina na cidade de San Francisco é ela estar localizada
sobre a falha de San Andreas, que é um desnível no terreno da região que
provoca pequenos abalos sísmicos de vez em quando, e grandes terremotos de
tempos em tempos. Você está deslumbrado, caminhando pela cidade, apreciando
a arquitetura vitoriana, a baía, a famosa Golden Gate e, de uma hora para
outra, pode perder o chão. Ver tudo sair do lugar, ficar tontinho, tontinho. É
pouco provável que vá acontecer justo quando você estiver lá, mas existe a
possibilidade. Isso amedronta, mas ao mesmo tempo excita, vai dizer que não?

Assim são também as pessoas interessantes: têm falhas. Pessoas perfeitas
são como Viena, uma cidade quase perfeita. Linda, sem fraturas geológicas,
onde tudo funciona e você quase morre de tédio. Pessoas, como cidades,
não precisam ser execessivamente bonitas. É fundamental que tenham sinais
de expressão no rosto, um nariz com personalidade, um vinco na testa que as
caracterize. Pessoas, como cidades, precisam ser limpas, mas não a ponto de
não possuírem máculas. É importante suar na hora do cansaço. Também o é ter um
cheiro próprio, uma camiseta velha para dormir, um jeans quase transparente
de tanto que foi usado, um batom que escapou dos lábios depois de um beijo,
um rímel que borrou um pouquinho quando você chorou. Pessoas, como cidades,
têm que funcionar, mas não podem ser previsíveis. De vez em quando, sem
abusar muito da licença, devem ser insensatas, ligeiramente passionais.
Devem demonstrar um certo desatino, ir contra alguns prognósticos, cometer
erros de julgamento e pedir perdão depois. Aliás, pedir perdão sempre, para
poder ter crédito e errar outra vez. Pessoas, como cidades, devem dar vontade
de visitar, devem satisfazer nossa necessidade de viver momentos sublimes,
devem ser calorosas, ser generosas e abrir suas portas. Devem nos fazer
querer voltar, porém não devem nos deixar 100% seguros, nunca. Uma pequena
dose de apreensão e cuidado devem provocar. Nunca devem deixar os outros
esquecerem que pessoas, assim como cidades, têm rachaduras internas. Portanto,
podem surpreender.

Falhas.

Agradeça as suas, que é o que humaniza você. E fascina os outros."

Júlio Clebsch

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